quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

EUVÍ: DJANGO LIVRE(2012) - Crítica





Quentin Tarantino é na minha opinião inerme o melhor diretor da nossa geração - o único capaz de traduzir com exímia qualidade todos os gêneros do submundo do cinema marginalizado dos anos 80 para o circuito oficial dos nossos dias. O problema é que Quentin Tarantino parece que a cada filme se obriga a obedecer os próprios mandamentos que ele mesmo pôs em prática nas suas obras anteriores.

Ao meu ver Django é o segundo pior filme de Tarantino por uma série de fatores que inexistiam em seus filmes anteriores. O filme é tão longo que chega a ser chato em vários momentos. Em muitos momentos a história não só se divorcia da realidade, mas também se desvencilha de qualquer verossimilhança. Personagens bizarros são colocados num ambiente típico de um faroeste e depois são inseridos num ambiente rural que remete a Cabana do Pai Tomás.

Os filmes de faroeste são os ícones máximos da mítica americana. Eles traziam o típico americano protestante anglo-saxão desbravando o perigoso território oeste da América, matando para isso os bárbaros índios pagãos e os bêbados católicos mexicanos no processo de forma heróica e divinizada. Os filmes de faroeste por muito tempo foram a reafirmação das virtudes e das mazelas típicas que formaram o caráter da nação americana - por isso, esse gênero que exportava o patriotismo e expansionismo americano dominou por muito tempo as bilheterias do país.



Já o racismo no sul dos Estados Unidos parece ser o contrário da expansão americana ao oeste, pois é claramente a ferida mais deprimente da história americana. Foram pouquíssimos os filmes que abordaram esse tema e quase sempre eles se sustentam no típico coitadismo negro perante a crueldade da sociedade sulista dos Estados Unidos. Tarantino então resolve trazer o faroeste para dentro da fazenda dos racistas sulistas, mostrando que enquanto o país estava se expandindo havia uma crueldade sendo praticada nas lavouras e cidades de uma América segregada. Tarantino então traz a luz para a expansão que não foi feita, a expansão dos direitos civis dos negros num país que se orgulha de ser o berço da liberdade.

O diretor resolveu misturar o seu gênero blaxploitation com o gênero de faroeste revisionista de Sergio Leone ambientada em 1958, às vésperas da Guerra Civil americana. Até o nome da esposa de Django faz menção à Brunhilda, personagem mitológica nórdica do século 13 que é resgatada do fogo por seu amado Siegfried. O filme em seu nome faz menção ao faroeste Django dos anos 60. No filme dos anos 60 Django ia a uma cidade onde tem de lutar contra racistas confederados e soldados mexicanos corruptos. O ator do Django original faz uma ilustre participação no filme e até protagoniza uma engraçada conversa com o personagem de Jamie Foxx sobre a pronúncia correta da palavra Django.



A violência gratuita mostrada com um detalhamento sádico, a edição transloucada dos acontecimentos, as trilhas sonoras divinas,  as surpresas inesperadas do destino, os diálogos interessantes permeados por palavrões acintosos e os personagens totalmente cheios de profundidade são as marcas fidedignas da maioria das produções tarantinescas. O diretor parece que quebra as regras do cinema atual colocando em prática com extrema primazia técnicas de filmes B e de produções asiáticas de baixo orçamento.

Muitos odeiam Tarantino por achar que ele é um propagador de um sadismo que faz clara apologia à violência em histórias que divinizam o crime e o palavreado chulo. Na verdade o diretor de fato usa as fortes imagens para chocar a bilheteria, mas apesar dos "defeitos" que ele imprime em seus filmes suas películas sempre surpreendem pela forma brilhante de contar histórias.

Se em Bastardos Inglórios o cineasta fez questão de se vingar dos nazistas, em Django Tarantino aponta suas armas para os racistas. Em seu último filme ele contou a história dos judeus sem o esperado coitadismo de sempre e concedeu a um grupo de judeus nada inocentes a chance de metralhar impiedosamente os altos chefes do partido nazista - ato este que jamais aconteceu na realidade, mas pelas telas do cinema Tarantino concedeu a vingança final aos seus eternos carrascos.



Já em Django o diretor sempre defensor dos oprimidos escolheu contar a história de um cowboy negro que com a ajuda de um caçador de recompensas alemão tem a  missão de resgatar sua esposa das mãos de um racista do Mississipi, sem que para isso ele se constranja em assassinar cruelmente todos os seus algozes no meio do caminho.

O interessante é que o ator Christopher Waltz, que antes interpretou perfeitamente um carismático e excêntrico nazista, agora vive um cínico e excêntrico alemão no meio dos Estados Unidos. A similiaridades dos papéis de Waltz em Django e Bastardos Inglórios dá a impressão de que ele em muitos momentos está apenas repetindo seu papel, mas isso não é desmérito algum, pois sua atuação apenas engrandece o filme.

Django é um filme que parece um amontoado de episódios que podem ser resumidos em apenas uma palavra: vingança. No início, um grupo de escravos se vingam de seu senhores racistas. Num segundo momento dois personagens entram numa pacata cidade do velho oeste, onde não é permitido que negros entrassem em um estabelecimento e em função disso o sangue é derramado. O filme pode ser dividido em vários episódios e todos eles mostram sucessivamente Django - o símbolo do escravo negro oprimido - se vingando dos racistas impiedosamente.

[caption id="" align="aligncenter" width="600"] O Django dos anos 60.[/caption]

Django primeiro mostra de forma satírica os racistas como seres cruéis e depois disso toda a crueldade impetrada contra eles parece ser plenamente justificável, assim como aconteceu com os nazista em Bastardos Inglórios. Durante todos os longos 200 minutos do filme os racistas são ridicularizados, assassinados e explodidos da forma mais sádica e o filme mostra isso com um tom cômico. A duração é muito longa e por isso às vezes sua exibição se torna monótona, repetitiva e extremamente previsível.

O personagem mais interessante da história é interpretado por Samuel L. Jackson, que é um dos muitos alívios cômicos da história. O premiado ator interpreta a icônica figura do "bom negro", que é um escravo submisso e puxa-saco que atende ridiculamente todos os pedidos do seu senhor com uma profunda gratidão. Até o final reservado para o personagem de Jackson demonstra como a subversiência ao absurdo deve ser também punida. DiCaprio interpreta o vilão racista do filme, mas o verdadeiro vilão do filme não parece ser uma pessoa, mas uma ideia que é propriamente o racismo.

No entanto, o filme não me surpreendeu em nada - a não ser pela coragem e ousadia do diretor em mostrar tanta violência. Sua história é uma mera transposição do universo de crimes urbanos explorados em filmes anteriores de Tarantino para um ambiente sulista antes da guerra de secessão que terminou por abolir a escravidão. Tarantino sempre conseguiu misturar cenas, músicas, tendências e técnicas em seus filmes, porém dessa vez eu achei tudo exagerado demais e difícil de entender.



Acredito que em 90 minutos seria possível contar a mesma história de forma mais concisa  do que nos mais de 200 minutos do filme. O personagem de Django infelizmente parece ser um protagonista pouco profundo, pois suas motivações me pareceram menos interessantes do que a dos personagens a volta dele. O personagem de Waltz, mesmo sendo um louco na sua essência conseguiu trazer a minha imaginação quando disse que iria ajudar Django porque nunca havia dado liberdade para ninguém antes. Nessa cena o alemão libertador de Django fez uma clara menção a figura de Cristo, por libertar o cativo e depois dar tudo o que podia para ajudar seu libertado.

Sempre achei que se algum dia Quentin Tarantino fizesse um filme ruim, ainda assim seria um filme acima da média. Dito e feito. A mensagem final do filme é a liberdade pela vingança - uma mensagem que justifica a vingança como o instrumento capaz de trazer a ordem. Infelizmente, o filme pecou por ser lúdico em momentos que brinca com assuntos sérios demais.

Django Livre é mais um tiro que foi dado fora de seu objetivo, mas um tiro difícil de ignorar. Tarantino não conseguiu estruturar sua película tão bem como em Bastardos Inglórios e mostrou que nem sempre é possível para um diretor fazer uma obra melhor que a anterior. Django Livre consegue quebrar uma série de correntes e ser o faroeste definitivo ou uma homenagem máxima ao gênero, mas o filme é apenas mais um filme de Quentin Tarantino.

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