quarta-feira, 3 de abril de 2013

EUVÍ: Aprovada PEC que feriria a laicidade do Estado


O líder da bancada evangélica na câmara João Campos (PSDB-SP) está propondo uma medida muito polêmica. Quem me conhece sabe que não tenho nenhum tipo de preconceito contra evangélicos, tendo muitas vezes defendido a bancada evangélica quando achei que esta era injustiçada. No entanto, a PEC 99/11 me parece ser uma lei indefensável, pois de fato ela iria causar uma tremenda confusão e alimentar aqueles que odeiam as religiões no Brasil.

Pois bem, sites esquerdistas e irreligiosos veicularam que a PEC 99/11 feriria a laicidade do Estado por garantir às entidades religiosas o poder de contestar a constitucionalidade de leis no Supremo Tribunal Federal (STF) . Não vejo problema em deixar que religiões possam impetrar ações de inconstitucionalidade, o problema é oferecer a religiões privilégios que não são gozados pelas demais instituições. No texto da proposta, associações religiosas de caráter nacional deveriam ter o direito de contestar leis que eventualmente interfiram na liberdade religiosa e de culto.

No passado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não pôde contestar a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, liberadas pela Lei de Biossegurança. A CNBB só pôde atuar no caso entregando memoriais e sustentando seus argumentos ao longo do julgamento. Coube ao então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que é católico, contestar a lei.

Hoje, ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade só podem ser apresentadas pelo presidente da República; pela Mesa do Senado Federal; pela Mesa da Câmara dos Deputados; pela Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; pelo governador de Estado ou do Distrito Federal; pelo procurador-geral da República; pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; por partido político com representação no Congresso Nacional; e por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Para o deputado João Campos, a PEC é uma forma de corrigir uma “displicência” por parte dos constituintes de 1988 que não incluíram entidades religiosas entre aquelas que podem questionar leis que as atinjam. Alguns exemplos de assuntos que podem provocar a impetração de ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, citadas pelo deputado, são a imunidade tributária concedida às igrejas e o ensino religioso em escolas públicas. João Campos diz que afirmações desse tipo decorrem de “preconceito, ignorância ou desinformação”. “Iria contra a laicidade do Estado se entrasse no mérito de dogmas religiosos, mas é um projeto que trata de questões estritamente jurídicas”, disse.

[caption id="" align="aligncenter" width="500"] Bate numa, batem em todas.[/caption]

No entanto, João Campos responde afirmativamente quando perguntado se, caso a PEC seja aprovada, as entidades religiosas poderiam questionar leis relativas ao aborto ou ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. “No meu entender, sim”, declarou. “Mas isso vai depender do entender dos ministros do STF. Eles vão decidir se o questionamento tem abrangência temática.”

Antes de qualquer coisa, todos sabemos que o nosso Estado é laico. Logo, por que motivo  associações religiosas de caráter nacional teriam direito de contestar leis e associações religiosas que não possuem caráter nacional não teriam igual direito? Por que associações religiosas de caráter nacional poderiam ter o direito de contertar leis e associações não religiosas não poderiam gozar de iguais direitos? É óbvio que essa lei faz distinções claras entre religiões e isso criará muitas confusões. Por que uma associação de ateus não poderia ter direitos iguais aos dos religiosos para contestar leis? Já pensou se associações ateístas se sentissem no direito de mover ações diretas de inconstitucionalidade para frear a voz dos religiosos?

Até acho justificável que as associações religiosas possam contestar leis que interfirem na liberdade religiosa e de culto, mas se caso eles quiserem fazer isso, podem usar um representante no legislativo - assim como qualquer outro grupo. Sou totalmente contra o aborto e a educação religiosa nas escolas e favorável a união civil de homossexuais e as pesquisas com células-tronco; porém, não acredito que seja lícito deixar que associações religiosas façam uso de suas prerrogativas para barrar leis que foram criadas por representantes do povo.

O papel das religiões é oferecer serviços para aqueles que as procuram, não devendo elas agirem como um partido político em questões que não cabe a elas legislar. Todos sabemos que alçar religiosos para funções públicas pode ser prejudicial tanto para o Estado como para as religiões. Se as religiões querem se fazer ouvidas na políticas, que façam como todas as outras instituições e elejam seus representantes - o que não é proibido.

Também tramita no congresso a Lei Geral de Religiões de autoria do deputado federal George Hilton, que é membro da Igreja Universal do Reino de Deus, o projeto propõe uma uniformidade em relação aos benefícios cedidos às religiões, deixando-as em par de igualdade. Existe atualmente um sentimento por parte da bancada evangélica de  mitigar os privilégios que a igreja católica teria, mas cabe saber se para igualar as religiões brasileiras eles desejariam diminuir os benefícios dos católicos ou aumentar os de todas as religiões - o que seria bem menos aconselhável.

O que essa PEC 99/11 vai acabar por fazer é dar munição para aqueles que odeiam as religiões, dando inclusive razão aos que pregam que as religiões possuem poderes abusivos. Essa medida pode ser um germinal de futuros conflitos entre o legislativo e a opinião das religiões. Entretanto, saliento que num país onde os representantes do legislativo, do executivo e do judiciário não agem conforme a vontade do povo, talvez sejam associações religiosas que possam ocupar tal função - se bem que tem que ser muito crente para crer nisso.  Ninguém precisa ser ateu para crer que deixar religiosos ganharem privilégios indevidos não passa de um ato de extrema má-fé.

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