segunda-feira, 29 de abril de 2013

EUVÍ: Existe ateu em avião caindo?

O texto é longo, vão direto a parte em itálico.




Meu pai acabava de morrer. Eu estava sentado assistindo a morte do que era uma das únicas pessoas das quais eu nunca poderei pagar o favor que fez por mim. Diante dos meus olhos meu pai partiu. Para onde? Não importa.

O enfermeiro mediu a pulsação do meu defunto pai e constatou seu óbito. Logo depois veio falar comigo uma psicóloga do hospital. As perguntas dela não eram interessantes, com excessão da última: "Você tem religião?" Respondi um sincero não.

Não era problema meu se o meu pai tinha ido pro céu ou pro inferno, tampouco se ele reencarnaria num guaxini ou em outro ser humano. Meu vínculo pessoal com ele me forçava apenas a cuidar dele em vida, não no pós-vida.

Ainda nem fui no velório. Aquele cadáver era apenas uma imagem sem vida para mim. Detesto simbologias: enterro, casamento, ceia, formatura, etc.

Eu acho que o fato de ser cristão sempre me causou uma certa displicência. Sempre acreditei que fazer o bem só por causa de uma religião é uma tortura que será punida no inferno. Se for para fazer o bem, que se faça por amor ou não faça, nunca por medo. Aliás, o verdadeiro amor lança fora todo...

Anos depois estava numa praia em Angra dos Reis. Meus "amigos" e eu tivemos a ideia de nadar até uma ilha próxima. Achei que ia conseguir e comecei o trajeto. Na metade do caminho, percebi que já havia ficado pra trás e cometi o erro de voltar a praia.

Me ferrei, ou melhor, me afoguei. Longe da vista de todos e onde minha voz jamais seria ouvida. Que mole que eu dei. Já sem forças, me recusei a desistir.

Não sei como e porque consegui chegar a praia num estado de exaustão inacreditável.

Recuperei minhas forças e voltei pra casa onde estava hospedado. Envergonhado e ingrato, não contei nada pra ninguém, nem no dia, muito menos agradeci a deus pela mãozinha.

O que mais me chamou atenção nessa oportunidade foi admitir minha incredulidade. Nem por um segundo pensei em deus. Nem passou pela minha ideia pedir perdão pelos meus pecados. Não pensei na minha família ou no meu pai. Não tinha forças para pedir ajuda porque minha boca estava engolindo água. Meu cérebro apenas tinha uma ideia: nadar.

Outro dia eu li um texto de uma ateísta que terminava com a maravilhosa frase:
Se não existe ateu em avião que cai, não existe teísta em hospital (centro da celebração da ciência e da não-fé na cura divina).

A frase é tão desesperada que me obrigou a postar uma resposta:

1- Existe ateu em avião caindo. Como eu sei disso? Nunca nenhum ateu voltou convertido da queda de um avião.

Ateu que é ateu paga pra ver. Ele sabe que nada o espera depois da morte. Não tem o que temer se o avião cair, apenas sua existência racional. A morte no avião é rápida e indolor. Enquanto os teístas aproveitam os últimos minutos para pensar no pós-vida, os ateus devem usar esse tempo talvez para pensar em quem deixarão.

Se eu que não sou ateu, não recorri a deus quando estive em perigo - e nem depois disso -, por que um ateu faria isso?

2- Religião e ciência não são inimigas. Isso é preconceito. Uma não contrapõe necessariamente a outra. Durante anos a ciência era um instrumento para estudar a criação de deus. Duvida? Procura Newton no Google. Na religião, a fé precisa da razão. A religião não foi feita para dar respostas, mas para levantar perguntas.

3- O hospital não é um templo da não-fé. Juntamente com a prisão, é um dos lugares onde as pessoas são mais suscetíveis a fé. Eu pude observar isso quando meu pai morreu. Muitas pessoas abandonadas pelas famílias se alegravam quando religiosos vinham falar com elas.

4- Felizmente, não é da vontade divina que vivamos sem problemas nessa vida. Por isso as doenças. Milagre é exceção. Por isso é milagre. Se tudo fosse milagre, nada seria milagre.

Dizer que os teístas não deveriam ir ao hospital é uma idiotice que nem os teístas acreditam. O hospital não é a antítese de um templo, nem feito pelo diabo. A ciência é uma dádiva

5- Você tentou rebater legitimamente o argumento batido do avião caindo com uma analogia ao hospital. Não foi feliz.  Já vi pessoas voltarem mais crentes de um hospital, mas nunca vi alguém voltar mais descrente de um avião caindo.

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